domingo, 26 de fevereiro de 2012

AS TENTATIVAS DE RENOVAÇÃO DA HQ BRASILEIRA ( EDITORA TRAMA - 1997)

OS QUATRO PRIMEIROS TÍTULOS LANÇADOS PELA TRAMA EM 1997.
TODAS PRODUÇÕES NACIONAIS.

Marcelo Cassaro já era um grande talento das hqs, quando em 1996 apresentou para a então novata Editora Trama, o projeto de uma revista de RPG (Role Playing Games). Tendo trabalhado nos Estúdios Mauricio de Sousa, na Abril Jovem (TRAPALHÕES, DIDI VOLTA PARA O FUTURO E AGENTE CÃOFIDENCIAL) e na Escala (STREET FIGHTER), era chegada a hora de editar uma revista sobre a febre daquela época, os jogos de interpretação. E assim surgiu a DRAGÃO BRASIL, na Trama, editora de propriedade de Ruy Pereira, que em 1991, foi um dos fundadores da Editora Escala, junto a Hercilio de Lourenzi. Para produzir a revista, Cassaro conseguiu reunir um grande número de ilustradores, muitos deles desconhecidos do grande público e que estavam mostrando seu trabalho em uma revista de grande circulação pela primeira vez: Márcio Alex Sunder, André Vazzios, Evandro Gregório, Marcelo Caribé, Rogério Vilela, entre outros. Fanático por hqs, Cassaro procurava sempre alternar matérias sobre RPG com quadrinhos, e com isso, fez da revista um grande sucesso, ofuscando inclusive a sua concorrente DRAGON MAGAZINE da major Abril.
Foi na revista que  Marcelo Cassaro, Rogério Saladino e J. M. Trevisan criaram o cenário de RPG TORMENTA, que apresentou ao público o Mundo de Arton, que futuramente seria cenário de várias hqs publicadas pela editora. Foi daí que originou-se a ideia: ora, se HQ e RPG tem tudo a ver, porque não lançar quadrinhos baseados nos RPGs e seus personagens? E assim acontecia uma grande revolução na  hq brasileira. Com carta branca da editora para aprovar e dirigir os projetos, Marcelo Cassaro comandou o trabalho e lançou várias minisséries (quase todas ao mesmo tempo), com um visual até então inédito no Brasil. A idéia era fazer hqs no estilo da Image Comics, tanto no estilo dos desenhos, quanto na colorização, já que a novata editora americana havia praticamente oficializado a pintura digital nas hqs.
O primeiro lançamento foi a minissérie GODLESS, baseada no RPG Arkanun de Marcelo Del Debbio, criação de Márcio Alex Sunder e William Shibuya, com desenhos do próprio Márcio, arte final de um certo Rodrigo Kings (o conhecido colorista Rod Reis, em início de carreira) e Edde Wagner, com colorização de um dos precursores do gênero no Brasil, Alexandre Jubran e letras de Miriam Tomi ( a excelente Lilian Mitsunaga, usando pseudônimo já que era contratada da Abril Jovem). Foi o trampolim para que Márcio Alex Sunder ficasse conhecido e tempos depois fosse trabalhar com hqs para os EUA.
Em seguida, foi lançada UFO TEAM, minissérie em 4 edições era baseada no RPG Invasão, de Marcelo Cassaro, desenhos e arte de Joe Prado (na época estreando nas hqs, e atualmente um dos melhores desenhistas da DC Comics, parceiro de Ivan Reis em Aquaman), cores de Jubran e Tatiana Bisson.


A TRAMA REALIZOU UM EVENTO NA GIBITECA HENFIL PARA LANÇAR SUAS REVISTAS.
DA ESQ. PARA A DIR: MÁRCIO ALEX SUNDER, ARTHUR GARCIA, ALEXANDRE NAGADO, ANDRÉ VAZZIOS, MARCELO CASSARO, MARCELO CARIBÉ E JOE PRADO. (REPRODUÇÃO DE FOTO PUBLICADA NO N. 1 DE BLUE FIGHTER).


ANÚNCIO DE LANÇAMENTO DA SÉRIE UFO TEAM. NOTEM  QUE A COLORIZAÇÃO POR COMPUTADOR, ERA DIVULGADA COMO NOVIDADE.

Com o bom desempenho das duas primeiras, a editora lança na sequência CAPITÃO NINJA, cujo personagem-título era o próprio alter ego de Cassaro. Minissérie em 3 edições, com arte de Marcelo Caribé, totalmente pintada á mão, utilizando várias técnicas.
Depois viria, BLUE FIGHTER, também em 3 edições. Uma fuga da editora do gênero RPG, para o mangá, cujo estilo começava a motivar artistas brasileiros. Criação de Alexandre Nagado, expert no assunto, desenhos de Arthur Garcia (que já se consagrava no gênero graças ao sucesso de STREET FIGHTER pela Escala). Um parênteses: fiz teste para colorizar BLUE FIGHTER e até fui aceito pelo autor, mas não passei pelo crivo do diretor de arte da Trama. Queria muito ter participado disso tudo. Enfim, as cores foram feitas pelo grande Rod Reis e também pelo Núcleo de Arte do professor Ismael dos Santos.


ANÚNCIO DE LANÇAMENTO DE BLUE FIGHTER. 1997


CAPA DO NÚMERO 1 DA SÉRIE LUA DOS DRAGÕES.

ANÚNCIO DE LANÇAMENTO DE LUA DOS DRAGÕES.

Em seguida chegou "LUA DOS DRAGÕES", intitulada pela editora como a maior e mais dramática saga dos quadrinhos nacionais. Em seis edições, na arte do genial André Vazzios, também colaborador da DRAGÃO BRASIL, trazia desenhos belíssimos finalizados a lápis, com riqueza de detalhes, recebendo por cima o colorido digital. Recebeu o troféu HQ MIX de melhor minissérie.


ASSIM É O VISUAL DE LUA DOS DRAGÕES.

Dessa fase, com exceção de GODLESS e BLUE FIGHTER, todos os outros títulos tinham roteiro e criação de Marcelo Cassaro.
Com um orçamento enxuto, muitas vezes Cassaro fazia diagramação, letras, e com isso conseguia  remunerar bem os seus colaboradores. Segundo ele, com uma verba que um editor usaria para produzir uma revista, ele fazia três, quatro títulos. Depois vieram edições menores e alguns tropeços. KILLBITE, em duas edições, criação de Cassaro e Joe Prado, com desenhos de Dino Gomes e Wagner Fukuhara nas cores. LILO, de Klebs Junior, com arte dele, Sam Hart nas cores e Luke Ross na capa, prometia sair em três edições, mas apenas o número 1 chegou ás bancas. A revista promovia também o lançamento do curso IMPACTO, de Klebs, Luke Ross, Fabio Laguna e Manny Clark, em parceria com a Trama, visando formar novos artistas para trabalharem para o exterior. Em seguida, dois títulos lançados em one-shot (única edição): PREDAKONN, escrita e desenhada pelo Marcelo Cassaro, com cores de Tatiana Bisson e Wagner Fukuhara e DRAGONESA, com arte de Evandro Gregório (mais conhecido hoje como Greg Tocchini, um grande desenhista, com trabalhos feitos para a Marvel e DC Comics).



A invasão nas bancas e comic shops das revistas, motivou a até então líder Abril Jovem a investir em produções nacionais do gênero. Ela quase conseguiu publicar PLANETAZUL, que saiu de forma independente em 1998, com o título de SPIRIT OF AMAZON. Criação de Orlando Paes Filho (Angus), desenhos de Rodrigo Pereira e colorização belíssima de Alexandre Jubran. Das cinco edições programadas, saíram só quatro, deixando a série sem conclusão. Mas continuou tentando, lançando em 1998, TERRA 1, minissérie em 4 edições, com argumento do editor-chefe de super-heróis da Abril, Sérgio Figueiredo, roteiro de David Campiti, desenhos de Carlos Mota (tornou-se depois um excelente desenhista dos personagens Disney) e cores novamente de Alexandre Jubran. Foi um fracasso de vendas, enterrando os outros projetos que viriam a seguir, como uma série sobre futebol, que seria desenhada por Klebs Junior.
Nos anos seguintes, com menor intensidade, a TRAMA continuou investindo em hq, porém publicando material produzido aqui com franquia internacional. MORTAL KOMBAT e STREET FIGHTER ZERO3, já publicados pela Escala, voltavam ás bancas. A primeira no traço de Eduardo Francisco e a segunda trazia a então estreante Erica Awano. Em 2000, surge também VICTORY, minissérie de Marcelo Cassaro, com roteiro de Petra Leão, desenhos de Eduardo Francisco e cores de Ricardo Riamonde.


CAPA DO ÚLTIMO NÚMERO DE HOLY AVENGER.

E aí surge nas páginas da DRAGÃO BRASIL, uma hq chamada HOLY AVENGER. Sem muita pretensão, as três primeiras aventuras de Lisandra, Sandro e Niele, foram publicadas nas edições 44 a 46 da DRAGÃO e no ano seguinte viraram revista mensal. A TRAMA diminuiu seus lançamentos e passou a se dedicar somente a edição mensal de HOLY AVENGER. Durante três anos com publicação ininterrupta e várias edições especiais, a série se tornou um dos maiores sucessos da história da hq brasileira. Pode-se dizer, que foi o primeiro mangá brasileiro a alcançar sucesso e atingir a marca inédita de 40 edições. As aventuras se passavam no Mundo de Arton, do RPG Tormenta e fizeram fãs pelo Brasil inteiro. Fãs que jogavam ou não RPG. Além do traço belíssimo de Erica Awano, a série teve cores de Ricardo Riamonde e Rodrigo Reis e um elenco de artistas formado por: André Vazzios, Petra Leão, Fran Elles Briggs, Denise Akemi, Greg Tocchini, Jae Woo. A maioria hoje abrilhantando as páginas da TURMA DA MÔNICA JOVEM. Ganhou todos os prêmios, de melhor revista seriada a melhor colorista para André Vazzios. É até agora a única série em quadrinhos brasileira a ganhar uma edição especial, contando os bastidores da criação, cenas avulsas, comentários dos envolvidos e  histórico de seus artistas. Coisa para fã e colecionador.

CAPA DO ARTBOOK DE HOLY AVENGER.

Com o fim de HOLY (e não poderia deixar de ser, já que, ao contrario das hqs americanas de super-heróis, os mangás sempre terminam)  a editora TRAMA agora rebatizada de TALISMÃ, devido ao homônimo com uma gravadora, publica outros títulos nacionais como a revista mix TSUNAMI (revelando novos talentos do mangá no Brasil) e apresenta a nova versão da minissérie VICTORY (já publicada em 2000), trazendo para o público brasileiro a versão que fora publicada pela Image Comics nos EUA, com o mesmo desenhista da primeira versão Eduardo Francisco e nova colorização de André Vazzios. Trouxe de volta ás bancas a série HOLY AVENGER em uma versão "remasterizada". Mas como tudo tem um fim, a editora TALISMÃ, mudou de nome novamente e parou de investir em quadrinhos e RPG. Marcelo Cassaro saiu e foi para a Mythos, fazer DUNGEON CRAWLERS, nova mini passada no mundo de Arton, com desenhos de Daniel HDR e cores de Ricardo Riamonde. Na mesma editora, relançou HOLY, como HOLY AVENGER RELOADED.


MARCELO CASSARO, CRIOU UM CENÁRIO DE RPG 100% BRASILEIRO, QUE RENDEU LIVROS, QUADRINHOS E SÉRIES. E CONTINUA FAZENDO SUCESSO.

A TRAMA/TALISMÃ fez história na hq brasileira. Fazia tempo que uma editora não investia tanto e com tanto fôlego em quadrinhos nacionais. Entre 1997 e 2005, com tantos títulos lançados, revelou grandes talentos que hoje estão aí trabalhando inclusive para o exterior. Hoje, em uma época em que os álbuns de hqs, vendidos em livrarias, parecem ser a única opção de uma boa parte das editoras de quadrinhos, sentimos falta e muita saudade de ver a banca abarrotada de gibis brasileiros. E sentimos  também a falta da ousadia e coragem de editores em investirem no nosso produto. Iniciativas como essa da TRAMA junto ao Marcelo Cassaro, foram sem dúvida, tentativas de renovação da hq brasileira. Na mesma época, outras também o fizeram,  como a ESCALA em 2001, com a série Graphic Talents. Mas isso é assunto para a próxima matéria.


ANÚNCIO DE VICTORY, PUBLICADA COM SUCESSO NOS EUA.