terça-feira, 29 de abril de 2014

A "ARREPIANTE" TRAJETÓRIA DE CESAR SANDOVAL


No fim dos anos 1980, com a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo, a Editora Globo (antiga RGE), buscava ampliar e diversificar sua participação no mercado de gibis nas bancas, já liderado por Maurício de Sousa, sua grande contratação de 1987.

Tinha dois novos projetos nacionais nas mãos. Um deles era a REVISTA DA XUXA, que aproveitava o sucesso da apresentadora na TV, e o outro, um projeto totalmente inédito, sem apoio nenhum de mídia. Um negócio arriscado, em uma época em que, por cautela, se apostava muito em versões para os quadrinhos de desenhos animados, de apresentadores de TV e programas infantis, cujo retorno era 100% garantido.

Esse projeto chamava-se A TURMA DO ARREPIO, e era isso mesmo: um negócio muito arriscado para os editores da Globo.

O AUTOR 

 
César Sandoval vinha de uma carreira de enorme sucesso.
Começou na lendária revista RECREIO, como assistente de arte, no início dos anos 1970. Tornou-se depois, o Chefe de Arte mais jovem da Editora Abril, cuidando dos títulos não-Disney da casa.
Foi para a Inglaterra, trabalhar como animador no Grupo Vision, e quando voltou ao Brasil, abriu o Sketch, um dos estúdios de animação mais importantes e produtivos dos anos 1980.

 

Criado por Fábio Del Santoro, Wilson Perron e Heitor Carrillo para a GILLETTE, o comercial  PACHECO CAMISA 12, foi desenvolvido e animado por César Sandoval, tornando-se um dos maiores sucessos da propaganda dos anos 1980.
Marcou época!


O comercial da menininha Claybom, foi outro grande
sucesso da década na TV.


Com uma carreira consolidada na publicidade, César aceitou o desafio de criar a versão infantil do quarteto OS TRAPALHÕES,  a pedido do próprio humorista Renato Aragão, que queria entrar na área de licenciamento, visando o lançamento de produtos para crianças. Nessa época, transformou também o apresentador SÉRGIO MALLANDRO em personagem de HQ, criando na sequência, uma série de produtos com o personagem.

Renato Aragão e Cesar Sandoval

O gibi dos TRAPALHÕES foi lançado em 1987 e o de SÉRGIO MALLANDRO no ano seguinte, ambos pela Editora Abril. Com um programa de licenciamento bem estruturado, as revistas e os produtos fizeram muito sucesso, o que impulsionou Sandoval a tirar da gaveta um projeto autoral antigo.

Depois de 11 anos sendo publicados pela Bloch Editores, o quarteto
OS TRAPALHÕES, chegava à Editora Abril, em sua versão infantil.


Este anúncio foi veiculado no número 1 da revista. Fazia parte de um vigoroso plano de marketing criado para promover e lançar produtos com a estampa do famoso quarteto da TV.


O PROJETO
A TURMA DO ARREPIO começou a ser criada a partir da seguinte premissa:  
E se o Frankenstein tivesse um filho? Como seria?  E como seria o neto do Conde Drácula?
A ideia era fazer uma versão mirim dos monstros do cinema. Inicialmente seriam bebês, e o nome seria Baby Monsters. Porém, achou-se por bem crescê-los um pouquinho, tomando o cuidado em não deixá-los violentos nem sanguinários. Essa tarefa foi entregue ao ilustrador Roberto Fukue, que teve total liberdade para recriar o visual dos personagens em outra faixa etária.

E assim foram nascendo os personagens.
O primeiro foi o Draky, herdeiro de uma nobre família de vampiros e intelectual da turma.
Depois vieram o filhote de lobisomem Luby, que adora hambúrguer e odeia gatos, a mumiazinha Tuty, que adora fazer curativos, o Stein, um menino biônico, neto do Frankenstein e que adora consertar coisas e a Medéia, uma menina aprendiz de feiticeira, que nunca acerta fazer seus próprios feitiços, o que sempre coloca a turma em grande confusões. Tem também o morceguinho Belfedo, personagem criado em 1971 para uma HQ e que César atribuiu ao universo da turminha tornando-o  bicho de estimação de Draky.

Como personagens secundários: Epitáfio, o porteiro zumbi do Edifício do Arrepio,  Seu Doroteu, o síndico, a aranha Magnólia, que fez sua teia no canto da portaria e a "dragoa" de estimação da medéia, Dragmar.



O LANÇAMENTO
A TURMA DO ARREPIO chegou às bancas em outubro de 1989, em 32 páginas coloridas, entrando na onda da espantomania, devido a sucessos do cinema como A hora do Espanto (1987) e Brinquedo Assassino (1988). Porém, o gibi era bem mais leve.

Aventuras com uma boa dose de humor, enfocando o dia-a-dia do Edifício do Arrepio, um prédio onde moravam os cinco protagonistas, faziam a alegria dos pequenos, que corriam às bancas todos os meses para comprar a revista. Logo transformou-se em um grande sucesso, tranquilizando os executivos da editora.

A EQUIPE
Para produzir seu primeiro título em quadrinhos (OS TRAPALHÕES e SÉRGIO MALLANDRO, eram produzidos dentro da Editora Abril), o estudio Sketch de Sandoval, contratou bastante gente e reuniu um time de primeira.

Profissionais talentosos trabalharam  no gibi.
Nos desenhos, Gustavo Machado, Enrique Valdez, Sérgio Morettini, Marcos Uesono, Ricardo José da Silva, Eduardo Vetillo, Cláudio Vieira de Oliveira e Irineu Soares Rodrigues.
Nos roteiros, Mario Mattoso, Roberto Vieira, Denise Ortega, Gerson Teixeira, entre outros.
Na arte final, o talento de Rosana Valin, Cláudio Ishii, Ricardo Martins e Tomaz Edson.
Como Diretores de Arte: Roberto Fukue, Moacir Rodrigues Soares e Kimio Shimizu.

Além desses, muitos outros profissionais iniciaram sua carreira na revista, com destaque para Luke Ross, desenhista de Secret Avengers (Marvel).

DEPOIMENTO DO DESENHISTA ROBERTO FUKUE
Desde os tempos da Abril, o Cesar se destacava com seus traços de muito talento, levando-o a se desvencilhar da estrutura rígida da editora e seguir caminho próprio.
Durante o período em que trabalhei na Sketch, constatei que só talento artístico não basta para conduzir um negócio. Mão firme e embates acalorados fazem parte dessa receita de sucesso...  
Foi um período muito bom. Só posso dizer isso!



Anúncio veiculado nas revistas da Editora Globo, promovendo os produtos
da TURMA DO ARREPIO.


DE NEGÓCIO ARRISCADO AO SUCESSO ABSOLUTO
Devido ao sucesso da revista, os personagens estamparam muitos produtos no mercado, de marcas como Grendene, Leco e Danone, destacando-se no merchandising brasileiro. Mais de 20 produtos foram lançados, com destaque para as mochilas da Grotaferrata, sucesso absoluto entre as crianças.

Os personagens também participaram de várias promoções e eventos, como o Mês das Crianças no Playcenter, em São Paulo. Até um concurso de roteiros foi criado para interagir com os leitores, com direito a muitos prêmios.

Anúncio de lançamento do concurso de roteiros.

Mês da Criança, no extinto parque de diversões Playcenter,
com a TURMA DO ARREPIO.

Algum tempo depois, César Sandoval conseguiu trazer para a Globo, outra criação sua: Sérgio Mallandro em quadrinhos, mesmo depois de 20 edições lançadas pela Abril Jovem.
E deslocou o desenhista Moacir Rodrigues Soares para a nova revista.

DEPOIMENTO DA ROTEIRISTA DENISE ORTEGA
César Sandoval realizou comigo algumas reuniões para conversar sobre ideias para histórias, características dos personagens etc. A lembrança que guardo dele é de um profissional criativo, falante e hiperativo... No bom sentido! Para mim, seu jeito "elétrico" de se comportar e falar sobre o universo de seus personagens e planos para o futuro era altamente motivador e me proporcionava a sensação de liberdade para criar roteiros diferenciados. Gostei muito dessa experiência de escrever para a Turma do Arrepio. Eu me diverti bastante com eles!


Capa do número 1 de SÉRGIO MALLANDRO em quadrinhos. Ilustração de Moacir Rodrigues Soares. Editora Globo, 1990.

DEPOIMENTO DO DESENHISTA GUSTAVO MACHADO
Conheci César Sandoval quando era bem jovem e me dedicava aos desenhos animados,
em meados dos anos oitenta.

Houve uma imediata empatia entre nós, desde o primeiro trabalho que fizemos. César sempre foi um artista cheio de ideias, e muitas vezes me convidava para ajudá-lo a desenvolver um novo projeto, além das animações comerciais que o seu estúdio, a Sketch Filmes produzia e eu participava.

Um artista talentoso, engraçado e agitado, com um grande tino comercial.

Com uma habilidade especial para criar personagens cativantes, sejam mascotes para publicidade ou personagens para quadrinhos, tive o prazer de desenhar muitos deles, como “Os trapalhões”, “Turma do Arrepio” e “Sérgio Mallandro em quadrinhos”.
Um homem de criação sempre antenado com as tendências do mercado, e sempre com a marca do bom gosto e qualidade nas suas criações. Saudades dos nossos bons papos sobre trabalho e vida!


ARREPIANDO EM OUTROS PAÍSES
 A TURMA DO ARREPIO chegou a circular em Portugal, e também ganhou uma edição internacional com o nome de Creepy Monters, publicada pela VID Editorial do México. O sucesso conseguido naquele país, onde foram lançadas mais de 50 edições, fez com que a revista fosse distribuída no Panamá e também em outros países da América Central.

CREEPY MONTERS, versão mexicana da turminha. VID Editorial, México, 1992.

O CANCELAMENTO
Em 1993, o mercado de gibis no Brasil entrou em recessão. Plano Collor e inflação galopante fizeram com que as editoras cancelarem vários títulos e a TURMA DO ARREPIO estava entre eles. A série em quadrinhos encerrou sua carreira após 43 edições.

Porém, com a quantidade de produtos com a turminha no mercado, era preciso continuar com os personagens na mídia.

Uma série de livros infantis foi lançada em 1994 pela Editora Melhoramentos, mas era preciso algo maior, bem maior, para continuar garantindo os contratos assinados.



A SÉRIE DE TV
A TURMA DO ARREPIO chegou à TV, em um especial para o Dia das Crianças, com 45 minutos de duração exibido pelo SBT em 1996. Em vez de desenho animado, optou-se por colocar atores interpretando os personagens.

Do sucesso desse especial, nasceu a série diária, estreando em 12 de Maio de 1997 às 17h:30, pela extinta Rede Manchete, de Adolpho Bloch.
Com produção da Chroma Filmes de Odorico Mendes e direção de Arlindo Pereira e Rodolfo Silot, a série era totalmente gravada em um estúdio em São Paulo.

ELENCO:
Flavia Beghin
Milton Brum
Marcelo Medici 
Sérgio Cavalcante
Mauricio Agrela
Manipulação e voz de Belfedo: Eduardo Alves
Manipuladores: Mauro de Ballentti e Paulo Balardim
Próteses dos personagens confeccionadas por Sidney Massaru Oda


Abertura do programa



 O primeiro trabalho do ator Marcelo Medici na TV, foi no seriado A TURMA DO ARREPIO, interpretando o porteiro Epitáfio.


 Apesar da TV Manchete estar em uma crise sem precedentes (que culminou algum tempo depois com o fechamento da emissora), o programa chegou a dar 5 pontos de audiência! Um feito e tanto  para uma emissora à beira da falência.






Durante os nove meses em que esteve no ar, o programa manteve um público cativo em frente à TV e conseguiu manter e ampliar o número de produtos licenciados com seus personagens.
Porém, com  a morte de Adolpho Bloch e a crise na emissora, o programa foi retirado do ar.


OUTRAS FRENTES DE TRABALHO
Com o fim do programa e a crise dos quadrinhos, Cesar Sandoval engavetou sua criação de maior sucesso e abriu novos caminhos.
BETINHO CARRERO

 
Em 1999, criou a pedido do empresário Sérgio Murad (nome verdadeiro de Beto Carrero), o projeto Betinho Carrero, logo transformado em outro grande case de marketing.
Escolhido como garoto propaganda do extinto Unibanco, o personagem acompanhado de sua turma virou revistas de atividades e passatempos voltadas para a criança, como parte de um grande campanha publicitária criada pela agência Agnelli, para promover vários produtos da empresa.

Algum tempo depois, Betinho Carrero chega aos quadrinhos, porém não mais pelas mãos de Sandoval. A revista mensal lançada em bancas, trazia a arte do Belli Studio, de Santa Catarina e era publicada pela JB World Entretenimento.


MARCELINHO CARIOCA

O ex-jogador do Corinthians, também recorreu ao talento de Sandoval quando decidiu criar um projeto voltado às crianças.
Transformado em personagem, Marcelinho Carioca estreou em 2000, em um livro com dicas de como se tornar um craque no futebol.
Foi o campeão de vendas da 16ª Bienal Internacional do Livro realizada em 2000, em São Paulo. Sua "Cartilha do Marcelinho Carioca", vendeu nada menos do que 2.876 exemplares, antes mesmo de chegar às livrarias.


A TURMA DO ARREPIO VOLTA ÀS BANCAS

Impulsionado por internautas de todo o Brasil, que pediam nas redes sociais a volta da turminha, Cesar Sandoval associa-se a um pequena editora de São Paulo e começa a planejar o retorno de sua criação mais famosa.

Assim, em junho de 2009, chega às bancas, a nova revista 'A TURMA DO ARREPIO", disposta a matar a saudade dos fãs (muitos deles já casados e com filhos), e também a conquistar uma nova legião de fãs.

Lançada pela Editora As Américas, a publicação é na verdade um "remake" da série antiga da Editora Globo. Foram selecionadas as melhores histórias para republicação, que ganharam novas cores, trabalhadas por Alexandre Silva com colaboração de Fernando Ventura e Gerson Campos.


Sandoval conseguiu patrocínio para a nova revista, algo difícil em se tratando de quadrinhos. Com dois anunciantes por edição, possibilitou uma impressão de qualidade e uma boa distribuição, que só não foi melhor, por causa da tiragem inferior a trinta mil exemplares. Mesmo assim houve uma festa de lançamento, na Casa das Rosas em São Paulo e a participação na 16ª FEST COMIX, tradicional evento de quadrinhos, também na capital paulista.

Com a revista nas bancas, Sandoval buscou voltar ao merchandising com seus personagens. Em 2010, o chicle de bola BRINQ, trazia uma coleção de 43 figurinhas da turma, com muitas cenas tiradas do novo gibi e um álbum para guardá-las. Foi lançado também um livro infantil com a personagem Medéia, pela mesma editora da revista. Cogitou-se a volta do programa de TV, algo ainda em estudo, com a utilização de novíssima tecnologia, alternando esquetes animadas e cenas com atores.

O projeto era republicar todas as hqs das 43 edições da Globo, porém, devido ao custo alto de impressão e dificuldades de mercado, a série se encerrou com 8 edições lançadas trimestralmente.
Mais uma vez, a turminha saiu de cena.
Mas pode voltar a qualquer momento. Afinal, eles são imortais.
Imortais são todos os personagens que cativam o público e marcam uma época, como aconteceu com a TURMA DO ARREPIO.



César Sandoval continua criando "enlouquecidamente"! Sua imaginação não pára.
A mola propulsora da vida de um artista é criar...sempre!
Mesmo em uma época onde a tecnologia parece querer superar a criação, a arte genuína sempre prevalece.
Porque vem acompanhada de sentimentos e emoções. E não um simples apertar de teclas e botões.

Que os novos artistas das HQs se inspirem nos grandes criadores de outrora, como o nosso César Sandoval.

Para terminar, um texto extraído de seu próprio site, dirigido aos novos aspirantes a desenhistas de HQs, e que eu acho maravilhoso:

Um conselho aos chegantes, jovens correndo atrás de seu espaço para seus quadrinhos e animações:

OUSEM! MAS ESTUDEM! Formem-se! 
Personagens e criações são efêmeros, principalmente num país sem memória como o nosso. Fora da educação, da capacitação, não há sucesso para você, personagem principal de uma história sui generis, a história de sua vida!

Perseverança é fundamental! 
Nossa loucura pessoal é que nos defende da loucura geral. 

Acreditar enlouquecidamente na sua criação é tão importante quanto
a criação propriamente dita! 
Sucesso, bonequeiros!
Enlouqueçam!

César Sandoval 

Agradecimentos e bibliografia:
Gustavo Machado
Denise Ortega
Roberto Fukue
Sessão Retrô - Youtube
Peu Gordyano