sábado, 9 de junho de 2012

MERCADO DE QUADRINHOS NO BRASIL: ILUSÃO OU REALIDADE?


imagem original do site AMBROSIA. http://www.ambrosia.com.br/


Fui ao SPCON, evento realizado em São Paulo para promover a chegada do "reboot" da DC Comics ao Brasil, chamado de OS NOVOS 52. Muito bem organizado, com palestras interessantes de nossos artistas brazucas que atuam no mercado americano, o evento reuniu uma boa parcela de fãs e leitores dos personagens mais conhecidos do planeta. Nada comparado ao que eu vi em Nova York no ano passado, quando estive no NEW YORK COMIC CON, bem na época do lançamento do mesmo evento da DC.
Eles tem um mercado de quadrinhos fortíssimo, apoiado em personagens criados a 40 50, 60 anos atrás e que se tornaram franquias. Que não envelhecem. Quadrinho lá é indústria. Liderada por duas grandes editoras, MARVEL e DC, ela emprega roteiristas, desenhistas, arte finalistas, coloristas, editores, capistas, e um sem número de pessoas que trabalham internamente nas editoras.
Voltando ao SPCON, lá estávamos nós aplaudindo e saudando nossos artistas que fazem sucesso lá fora. Aplaudindo o mercado americano. E eu observo aqueles jovens vibrando, com um brilho no olhar, com aquela gana e vontade de fazer hqs para eles. Parece ser a única saída para quem quer trabalhar com quadrinhos, pois não temos mercado por aqui. Não temos uma indústria. Já tivemos algo parecido, em outros tempos. Hoje não mais.



COMBO RANGERS, hq de Fábio Yabu, fez sucesso em revistas publicadas pela JBC e PANINI, mas mesmo assim não impediu o afastamento de seu autor do mercado de quadrinhos. Partiu para a literatura infantil, lançando a série PRINCESAS DO MAR, que já virou desenho animado exportado para vários países e originou a criação de vários produtos com suas personagens.

Alguns dizem por aí que o mercado de hqs no Brasil está em expansão. De que nunca tivemos tantos títulos e uma produção tão intensa. Livrarias abrem espaços para hqs. O governo comprando hqs para distribuir nas escolas e bibliotecas. Novos autores, temas diversos. Mas não é indústria. Não faz com que nossos artistas possam viver só de quadrinhos, que é o sonho de todo mundo. Um álbum de hq exposto na livraria, com uma tiragem de cinco mil exemplares, emprega quantos artistas? No máximo há o autor/roteirista e o desenhista, ás vezes com o auxílio de um arte finalista. E também o colorista, quando a verba destinada a publicação de tal obra permita uma impressão a quatro cores, o que muitas vezes não é possível. Dois, três ou quatro artistas que ganham apenas UMA vez, pela produção de tal obra. Os royaltes da vendagem? Ora, divididos entre editora, autor e desenhista! Repassados a eles a cada seis meses. Pouco, a menos que sua hq tenha a vendagem de um Paulo Coelho, ou de um título do Padre Marcelo Rossi, cuja tiragem é de no mínimo trinta mil exemplares.
O modelo americano ainda é o que, a meu ver, funciona em termos de mercado. Essa é a minha opinião. Pega-se personagens, ícones, franquias de sucesso. Superman, Batman, X-Men. Coloca-se artistas talentosos para  trabalhar com esses personagens. Não em álbuns, que são vendidos em livrarias. São revistas mensais, que a cada número, traz o trabalho de cinco, seis, sete artistas. Somados a quantidade de revistas (a DC relançou 52 títulos no ano passado), temos uma indústria. De pessoas que vivem de quadrinhos. Trabalham só nisso. Pelo menos a maioria.
Mas e aqui no Brasil? O único que enxergou isso já nos anos 1970, foi o Maurício de Sousa. E emprega o modelo até hoje. Infelizmente é o único estúdio de quadrinhos existente no Brasil, com aproximadamente 250 pessoas apenas na sua sede, no bairro da Lapa, em São Paulo. Fora os colaboradores externos.
Nos anos 1970, 1980 e parte de 1990, nós tinhamos muitos artistas que viviam só de trabalhar com quadrinhos. A Editora Abril mantinha um grande número de profissionais contratados para desenhar histórias Disney, no seu lendário Estudio. Mantinha também o Departamento de Quadrinhos Nacionais, que produzia títulos próprios (Alegria, Os Trapalhões) e firmava parceria com estúdios externos para produzir títulos como Fofão, Turma da Fofura, Faustão, entre outros.
Na década de 1990, a Editora Globo fizera o mesmo, trabalhando com estúdios externos, que produziam títulos de sucesso como Turma do Arrepio, Revista da Xuxa, Sérgio Mallandro, Leandro e Leonardo, Chaves & Chapolim. Esses estúdios empregavam muitos artistas, tal e qual o modelo americano (Marvel e DC).
Uma análise dos tantos títulos que foram produzidos no Brasil nas últimas décadas, podemos ver que o gênero que mais foi bem aceito por aqui foi o INFANTIL. Mauricio de Sousa está aí para provar.



Lançada em 2004, a revista RONIN SOUL apresentava um trabalho de nível internacional e prometia vida longa, mas parou na segunda edição.


 Realmente super-heróis brasileiros nunca foram bem aceitos. E então, porque não voltamos a investir no gênero infantil? A Abril já deu o pontapé inicial, lançando um concurso e publicando três títulos de hqs bastante competentes, todos brasileiros: UFFO, Gemini 8 E Garoto Vivo. Precisamos fazer o nosso mercado voltar a ser indústria. Do jeito que está (álbuns em livrarias) não é indústria. Esses artistas produzem um álbum e depois voltam a ilustrar para publicidade, para livros e revistas, dar aulas, para se manter e pagar as contas. OK, esse mercado é fortíssimo, principalmente o de livros didáticos, este sim uma verdadeira indústria, mantida pelo governo que compra suas obras anualmente para distribuírem aos milhões de estudantes de todo o Brasil. Liderado por editoras como Ática/Scipione, Moderna, Saraiva e FTD, esse mercado emprega um grande número de profissionais internos e trabalha com muitos estúdios que produzem ilustrações para tais obras. Basta folhear um livro didático para encontrar trabalhos de artistas que passaram pelos quadrinhos. Mozart Couto, Rodval Matias, André Vazzios, Weberson Santiago, Jotah e Sany (lembram-se de Turma do Barulho?), Rogério Soud (grande desenhista dos Trapalhões na Abril), Natália Forcat, Carlos Avalone (criador do Carrapicho). Eles não se afastaram dos quadrinhos por vontade própria. Acredito que muitos adorariam trabalhar só com as hqs se tivessem como se manter fazendo isso.

TURMA DO BARULHO, lançada pela Editora Abril Jovem em 1996. Jotah e Sany, seus autores atuam hoje no mercado de livros didáticos e paradidáticos.

E o mercado de publicações independentes? Pior! Só faz quem realmente não pensa em ganhar dinheiro com isso e quer mostrar o seu trabalho. Admiro. É paixão pura. Quadrinhos muito bons são publicados dessa forma, infelizmente, alcançando um público pífio. Precisamos de apoio. Do Governo e principalmente das editoras e distribuidoras. Os editores precisam voltar a acreditar em nós e em nossos quadrinhos. Temos criações que podem sim, se tornar grandes franquias e gerar receita, tanto para as editoras, como para o mercado através de merchandising, mas, principalmente para seus artistas viverem só delas. Mas falta apoio e boa vontade dos editores de esperarem um certo tempo, para o personagem se firmar e garantir um público fiel, e não cancelar a revista já  no segundo número. Exemplo disso é Antonio Cedraz, que criou a excelente TURMA DO XAXADO, e disse em entrevista que chegou a mostrá-la para a Globo, na época da saída do Maurício para a Panini. Eles preferiram investir no Sítio do Picapau Amarelo. Que cumpriu o seu papel por um tempo, dando oportunidade a grandes artistas de trabalharem em seus três títulos mensais. Mas depois desistiram das hqs.


~
Excelente iniciativa do editor Alexandre Lancaster, lançada em setembro de 2011 e ganhadora do HQ MIX em fevereiro último, a revista AÇÃO MAGAZINE abre espaço para o mangá produzido no Brasil. Prometia ser mensal, mas até agora sairam só duas edições. Será que ainda volta ao mercado?



DUNGEON CRAWLERS, minissérie nacional de Marcelo Cassaro, foi uma bela iniciativa do Estúdio Art&Comics (Mythos Editora), em publicar hq brasileira. Mas não houve continuidade. Seu desenhista Daniel HDR, hoje atua no mercado americano e seu colorista Ricardo Riamonde, parou de trabalhar com hqs. 

Quando vejo jovens aplaudindo e vibrando com o sucesso de nossos artistas que trabalham para a MARVEL e a DC, penso em quantos conseguirão realizar esse sonho, que mais parece o de um aspirante a jogador de futebol. É um funil, onde poucos conseguem. E não conseguindo, olham para cá e veêm um deserto de oportunidades. Não conseguem trabalhar com hq infantil e muito menos com outro gênero. É preciso que se saiba e conheça as dificuldades de se trabalhar com hqs por aqui. É preciso que as escolas de formação de desenhistas na área, mostrem também a nossa realidade de mercado, para que se formem profissionais conscientes, e aí sim, com preparo suficiente para enfrentar os percalços dessa profissão ao mesmo tempo tão apaixonante e tão difícil para nós.
Em tempo: Márcio Baraldi escreveu "O QUADRINHO NACIONAL ESTÁ DESPENCANDO!" um dos melhores artigos que já li sobre a situação dos quadrinhos no Brasil.
Leia em   http://www.bigorna.net/index.php?secao=artigos&id=1303946092